A HISTÓRIA DO TRIO ELETRICO

17/02/2012 09:36

Por Rafael Matos

 

Anos 1950: o nascimento do Trio Elétrico

No dia 29 de janeiro de 1951, segunda-feira antes do carnaval [1], Dodô e Osmar tiveram outra experiência chave ao testemunhar o desfile do Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas do Recife, que fazia uma parada em Salvador na sua ida para o Rio. OVassourinhas era especializado em frevo, estilo musical pernambucano em ritmo de marcha, conhecido no carnaval do Rio de Janeiro desde os anos 1930 [2]. O evento, abençoado pelas autoridades e apoiado por patrocinadores, emissóras de rádio e a comunidade pernambucana da cidade, chegou a reunir um número inédito de pessoas no centro de Salvador [3]. 

 

 

"A Bahia quase inteira foi pra Avenida Sete ver o desfile dos Vassourinhas.  [...]  eles começaram lá pelo Campo Grande e vieram em direção à Praça da Sé, à Praça Castro Alves. [...] E lá vinham eles, iam pela Avenida Sete, e eu também no meio da folia, pulando atrás, do lado. Foi uma loucura tão grande, o povo pulando... Nunca se tinha visto frevo aqui na Bahia. [...] Foi aí que eu dei a idéia pra Dodô: Dodô, vamos sair tocando essa música. Que eu já sabia algumas das músicas. Música de Nelson Ferreira, de Capiba... Frevo rasgado, aquele frevo. O principal era o que se toca até hoje, você sabe qual é [canta um trecho da  "Marcha no.1"]  Aí nós preparamos a fobica – a fobica é um Ford 29."
O. Macêdo, 1995 apud PAULAFREITAS (2005)


Os acontecimentos a seguir foram de grande importância histórica para o carnaval baiano: o velho Ford '29 de Osmar, apelidado de Fobica[4], normalmente usado para transportar peças de metal, foi transformado em um palco movel, para permitir à dupla de executar clássicos do frevo pernambucano com seus exóticos paus elétricos em alto volumen durante os festejos. 

Equipado com um gerador de 2 quilowatts, decorado com motivos carnavalescos e altofalantes montados nas partes dianteira e traseira, o Ford musical, entrou em cena no domingo de carnaval, por volta das quatro da tarde. Acompanhada por seis percussionistas, entre eles também Armando Mereilles, o sogro de Osmar, fantasiado de havaiana 'ula ula', a Fobica entrou na rua Chile na altura da praça Castro Alves, juntando se ao corso de automóveis do desfile oficial. 

"... acabamos com o corso, pois vinha atrás uma massa compacta de gente, que, a exemplo do que ocorrera na quarta feira [sic] com o Vassourinhas,  pulava  e se divertia como nunca antes ocorrera na Bahia. Nossa emoção era enorme. Mais de 200 metros de povo atrás da fobica. O dado pitoresco dessa história foi que quando subiamos a rua Chile, pedi ao motorista, um amigo nosso, Olegário Muriçoca, que parasse o carro para que tocamos alí, onde o espaco é mias amplo. Pedimos várias vezes a Olegário que parassse e ele nada de frear. Ja furiosos eu e Dodô desbrejavamos então Olegário respondeu que já havia tempo a fobica estava quebrada, havia queimado o disco de embreagem, estava sem freio e com motor desligado. O carro andava empurrado pelo povo."
O. Macêdo, 1979 apud GÓES (1982)


Esta foi a primeira vez que o carnaval popular da Bahia conquistou abertamente um espaço da parte oficial da festa que, embora público, era reservado exclusivamente às atividades das elites. Parece que o desfile do Vassourinhas, cinco dias antes, com aqueles frevos recebidos com tanto entusiasmo pela populacão, tinha servido como uma espécie de ensaio pela estreia da Dupla Elétrica e sua Fobica. O episódio, que havia deixado todos — Dodô e Osmar incluidos — de queixo caido, marcou o nascimento de um novo gênero musical (hoje chamado frevo do triofrevo novofrevo baiano etc.) e, ao mesmo tempo, de uma nova forma de brincar no carnaval na Bahia, que pouco mas tarde iria ser conhecida como Trio Elétrico.

No ano seguinte, Dodô e Osmar substituíram a Fobica por uma pickup Chrysler Fargo e mudaram a formação de duo para trio, adicionando um triolim [5], também eletrificado ao modo dos paus eletricos, tocado pelo amigo Temístocles Aragão. Conseqüentemente mudaram também o nome, de Dupla Elétrica para Trio Elétrico. Outro ano depois, já tinham um caminhão com oito altofalantes, luzes flourescentes e geradores, patrocinado pelo fabricante local de refrigerantes Fratelli Vita (agora Brahma) [6]. Na metade dos anos 1950, quando outras bandas começaram a copíar o conceito, o termo Trio Elétrico tornou-se genérico.

"..um industrial aqui da Bahia, chamado Miguel Vita, percebeu que esse negocio de Trio Eletrico tinha grandes possibilidades. Poderia servir como ótimo meio de promoção da firma dele, a Fratelli Vita, fabricante de cristais e refrigerantes.  [...] Bem, a partir dai o negócio foi tomando vulto, a começaram a aparecer outros trios, em pick-ups, com luzes e altofalantes para todos os lados. O pessoal tocava com instrumentos que Dodô fabricava para eles, porque ainda não havia praça para comprar com há hoje em dia. Lembro que neste ano sairam pelo menos trés trios, os Cinco Irmãos, o Ipiranga, e o Conjunto Âtlas..."
O. MACÊDO 1979, apud GÓES (1982) 


As décadas seguintes trouxeram uma maré de vans e caminhões, transformados em palcos moveis, aumentando cada vez mais em tamanho, sistema de som, e sofisticação nos detalhes da sua decoração. Quando Dodô e Osmar deixaram de desfilar em 1960, o fenômeno já estava consolidado,  e continuava crescendo nas mãos de outros trios como o Tapajós, organizado porOrlando Campos a partir da segunda metade dos anos 50 [7].

Hoje, quase 60 anos mas tarde, os descendentes do velho Ford 29 evoluiram para caminhões de medidas de brontossauro, chegando a carregar equipamentos com rendimentos de até 200 db(!), altofalantes em todos os quatro lados, bandas de até 25 integrantes mais os dançarinos em seus teitos agitando as multidões dançando em torno deles, e artigos científicos publicados sobre os efeitos  da exposição a seu som a longo prazo.


A fama do trio elétrico chegou a ultrapassar a da guitarra baiana por muito. Qualquer texto sobre a evolução dos trios, porém, cita a guitarrinha como a principalrazão de existir deles.

 

 

 

 

 

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